Energia elétrica e os eventos climáticos severos: distribuidoras precisam estar preparadas
Em um país, o setor elétrico é um dos aspectos mais importantes para determinar o seu crescimento e a qualidade de vida de seus habitantes. E o sistema elétrico está sujeito a adversidades que podem afetar o fornecimento de energia elétrica, notadamente àquelas causadas por eventos climáticos. Muitas contingências estão relacionadas a curtos-circuitos provocadas por descargas atmosféricas, quedas de árvores e etc, podendo ser de curta ou de longa duração.
Outras contingências podem ser provocadas por ondas de calor extremo como as que ocorreram no nosso estado em outubro deste ano com a mídia divulgando problemas de falta de energia e transtornos devido a queima de transformadores de distribuição por sobrecarga em função da elevação do consumo de energia elétrica.
No último dia 03 de novembro as fortes chuvas que deixaram 4,2 milhões de residências sem energia no estado de São Paulo em sete áreas de concessão chamaram a atenção sobre as redes de distribuição e sua vulnerabilidade sob efeitos climáticos extremos, onde 95% das ocorrências na cidade de São Paulo foram relacionadas a queda de árvores sobre a rede.
Até o dia 08 de novembro parte dos consumidores atendidos pela Enel na cidade de So Paulo ainda estava sem energia. Este fato chamou a atenção no momento em que se discute a renovação dos contratos de concessão das distribuidoras.
Cerca de vinte distribuidoras no país que atendem cerca de 55 milhões de consumidores e cerca de 64% do mercado regulado de energia terão o termino dos contratos entre 2025 e 2031, dentre elas Enel SP, Enel RJ, Light, Energisa MT, EDP ES, Neonergia Elektro, Equatorial PA, CPFL Paulista, RGE Sul e outras. São concessões longas de 30 anos que merecem uma análise criteriosa considerando as novas realidades e desafios do mercado de energia elétrica.
Atualmente apenas 0,4% da rede elétrica do Brasil é subterrânea e limitada a alguns locais de algumas grandes cidades (o Rio de Janeiro tem a maior malha deste tipo de rede que atende cerca de 500 mil pessoas), que poderia evitar grandes parte destes problemas.
Porém, o maior entrave para o enterramento das redes é o alto custo, que pode ser até dez vezes maior do que o uso de cabos aéreos. A Prefeitura de São Paulo estima em cerca de R$ 20 bilhões somente para adequar o centro da cidade.
Eventuais iniciativas para se enterrar as redes impactaria diretamente na tarifa de energia elétrica no modelo tarifário atual, com as distribuidoras sendo ressarcidas através das tarifas pelos investimentos realizados na melhoria do sistema elétrico. A tarifa se tornaria inviável para os consumidores. Situações específicas e restritas a alguns locais poderiam ser analisadas desde que hajam benefícios que justifiquem os altos custos dos investimentos.
As redes subterrâneas além de reduzir as interrupções de energia e o custo de manutenção ajudam a reduzir o roubo de cabos e a combater os furtos de energia por desvios chamados “gatos”. Também melhoram a desobstrução da paisagem possibilitando um melhor planejamento urbanístico.
Como observado anteriormente, os custos são extremamente elevados para se enterrar as redes, impactando diretamente na tarifa de energia elétrica, que no Brasil é já é uma das mais altas do mundo, grande parte influenciada por tributos, encargos setoriais e subsídios.
E os consumidores que foram prejudicados, como ficam? A qualidade dos serviços de distribuição de energia elétrica no Brasil é medida por dois indicadores denominados DEC (Duração Equivalente de Interrupção por Unidade Consumidora-Tempo que, em média, no período de observação, cada unidade consumidora ficou sem energia elétrica) e FEC (Frequência Equivalente de Interrupção por Unidade Consumidora-Número de interrupções ocorridas, em média, no período de observação, cada unidade consumidora ficou sem energia elétrica), apurados pela Agência Nacional de Energia Elétrica-ANEEL.
A Agência define os conjuntos elétricos para cada distribuidora e estabelece limites para estes indicadores. Os mesmos são definidos em função de alguns parâmetros que dependem de cada concessão. Também são definidos indicadores individuais para cada consumidor e havendo violação dos limites dos mesmos a distribuidora paga uma compensação financeira aos consumidores.
Os valores pela transgressão dos limites dos indicadores individuais de continuidade são pagos a título de compensação devido as ocorrências de falta de energia. Porém, individualmente, isto é muito pouco representativo principalmente em situações de interrupções de longa duração como a ocorrida em São Paulo, em que os consumidores foram extremamente prejudicados por perda de produtos, faturamento e muitas outras perdas como negócios perdidos, até imensuráveis pela importância que a energia elétrica representa no dia a dia das pessoas.
A orientação ao consumidor é de nestes casos primeiramente formalizar a reclamação do pleito na distribuidora de energia e depois dependendo da resposta, fazer reclamação no Procon e, por fim, ir à justiça.
A nível do regulador, a ANEEL entende que embora a falta de energia tenha sido causada por um evento climático de alta gravidade, é preciso apurar eventuais falhas e responsabilidades da concessionária na demora para restabelecer o fornecimento de energia no estado. Se constatada irregularidade, a penalidade pode chegar a 2% do faturamento anual da distribuidora, segundo a própria ANEEL.
Então o que pode ser feito para melhorar a resiliência das redes elétricas? As redes inteligentes ou “smart grids” são soluções tecnológicas ainda limitada a poucas iniciativas no país e que podem contribuir para evitar os impactos de eventos climáticos extremos sobre o fornecimento de energia.
O planejamento da rede para suprir determinas áreas do sistema elétrico por mais de uma fonte ou circuito alimentador bem como a tecnologia de “self healing” ou recomposição inteligente automática (utilização de algoritmos para identificar o melhor conjunto de manobras a ser realizado automaticamente, priorizando restabelecer a maior carga possível de forma segura e estável) possuem menores custos se comparado para enterrar as redes, isolando de forma mais eficiente e rápida os locais da rede onde se fará necessário fazer intervenções, bem como suprindo por outros circuitos (fontes) o restante da rede inicialmente afetado para se restabelecer o fornecimento de energia elétrica e com isto reduzindo a quantidade de consumidores afetada.
Também se faz necessário uma melhor integração e coordenação entre as distribuidoras, prefeituras, institutos climáticos, corpo de bombeiros, defesa civil, meio ambiente e outras entidades para planos de contingências e ações preventivas.
Estamos num período de grandes incertezas no aspecto climático, onde eventos climáticos poderão ocorrer com mais frequências e intensidade, exigindo que as distribuidoras devam estar preparadas para se previnirem e responderem mais rápido às demandas de continuidade do fornecimento de energia elétrica.
Ressalta-se que a partir deste evento em São Paulo e com a evolução dos eventos climáticos extremos, ganha força as soluções baseadas na geração própria de energia. Por exemplo, um consumidor que vive numa região afetada por um apagão, se tiver instalado um sistema solar híbrido com armazenamento por baterias, não ficará sem energia elétrica.
Por fim, o consumidor entende que pode faltar energia mas espera que quando faltar, que ela seja restabelecida com a agilidade que este serviço essencial requer. Neste sentido a ANEEL-Agência Nacional de Energia Elétrica e suas Agências Conveniadas Estaduais devem aprimorar suas fiscalizações junto às distribuidoras agora considerando este “novo normal” no que se refere aos eventos climáticos extremos.
Teomar Estevão Magri é engenheiro eletricista com MBA em Gestão de Negócios, especialista e consultor em energia.